DIREITO BRASILEIRO E LINGUÍSTICA APLICADA AUTORREFLEXIVA: UMA PROPOSTA DE INTERCONEXÃO
Introdução
Este artigo visa a promover uma interconexão entre o discurso presente no universo jurídico e a proposta de uma Linguística Aplicada (LA) autorreflexiva, acareando as bases que sustentam ambos os discursos, a fim de proporcionar uma reflexão verdadeiramente comprometida com a pluralidade, com a mobilidade de valores e com a ética, haja vista serem os assuntos aqui abordados de indiscutível impacto na práxis social. A interconexão aqui almejada colocará em confronto o pano de fundo essencialista que rege o Direito brasileiro, ainda imerso na “verdade” que habita a letra da lei, e a necessidade, imposta pelas mutações em curso no mundo contemporâneo, de se compreender a linguagem como prática social, refletindo sobre si mesma, assumindo suas escolhas políticas, ideológicas e éticas, bem como incorporando uma mestiçagem teórico-metodológica – conforme podemos observar nas pesquisas no campo de LA feitas por Branca Falabella Fabrício, Luiz Paulo da Moita Lopes, Roxane Helena Rojo, Kanavillil Rajagopalan, entre outros –, corroborando o senso de responsabilidade social em todos os campos, seja no do Direito, seja no da LA.
Para melhor compreendermos as escolhas feitas neste artigo, em algumas linhas falaremos sobre as motivações pessoais que impulsionaram a delineação do tema em questão, ratificando o que já há muito propõem diversos estudiosos de pesquisa e linguagem de diferentes campos, como Nietzsche (2000), Foucault (1979), Wittgenstein (2012), Coulthard (2004), etc.: a impossibilidade de neutralidade na pesquisa. Neutralidade essa que se imagina – e pior, acredita-se piamente – comparecer em larga escala na interpretação do texto jurídico, prática controversa às características mais eloquentes da sociedade contemporânea.
Após esse breve introito, buscaremos possíveis causas históricas que, porventura, tenham legado ao Direito brasileiro essa visão representacionista e essencialista de linguagem, através das quais é sempre possível alcançar uma “verdade”, e, assim, proceder a um julgamento perfeito, sem máculas e contaminações subjetivas. Para isso, ser-nos-á auxílio a literatura de Gershom Sholem (2009) sobre o Direito hebraico, bem como as comparações entre o Direito romano e a formação do jurista brasileiro feitas por Salerno e Zemuner (2006). Logo após, para melhor entender como se fará essa interconexão entre o Direito brasileiro e os pressupostos da LA, cuidaremos de apontar neste trabalho o que vem a ser a Linguística Aplicada, do que se ocupa, com que se preocupa – para tanto, priorizaremos as noções de Moita Lopes (2006) e Davies (1999) –, e como essas reflexões podem atuar diretamente no discurso jurídico, aqui problematizado. Abordaremos também o que já vem sendo feito no campo da Linguística Forense, mormente por Malcolm Coulthard (2004), e de que forma são aplicadas as preocupações da LA no campo do texto jurídico, quais os seus resultados, se possui reconhecimento social e se, portanto, faz os operadores do direito refletirem acerca da linguagem como prática social.
Por fim, após revisitarmos os conceitos supramencionados e termos compreendido basicamente em que eixo epistemológico cada um dos objetos de estudos deste trabalho – Direito e LA – se encontram, observaremos ao longo da pesquisa se: a) há falta de comprometimento das instituições com os indivíduos e se o Direito cumpre a sua função socializadora no mundo contemporâneo; b) os operadores do Direito adquiriram um regime de percepção tão multifocais e fragmentários, como exige a atual compreensão de espaço-tempo; c) a mestiçagem do discurso aparece em ações do Direito para as minorias; d) o quanto a lei fisicaliza o “eu” jurídico; e) os operadores são mantenedores ou desconstrutores do modelo essencialista presente no Direito brasileiro.
Esperamos que, ao fim deste artigo, o ideal a que nos propusemos seja devidamente alcançado: o de oferecer reflexão contínua sobre as práticas sociais dentro do discurso jurídico, não abrindo mão de teorias e metodologias, mas aliando os pressupostos de uma Linguística Aplicada Indisciplinar – usando os termos de Moita Lopes – visando a uma aplicação discursiva social e eticamente comprometida com a comunidade em geral.
CARDOZO, GUILHERME LIMA. DIREITO BRASILEIRO E LINGUÍSTICA APLICADA AUTORREFLEXIVA: UMA PROPOSTA DE INTERCONEXÃO. Revista Escrita, v. 2014, n. 19, 2014.
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