HERANÇA, SACRALIDADE E PODER: SOBRE AS DIFERENTES CATEGORIAS DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL NO BRASIL

 


Resumo: 

O artigo examina o conceito de patrimônio presente nas atuais políticas públicas de preservação do patrimônio histórico, artístico e cultural, visando ampliar a apreensão deste. Trazendo exemplos do trabalho de campo realizado na Travessa dos Venezianos, em Porto Alegre, o meu propósito neste artigo é analisar como a atribuição de valor a determinados bens, objetos e processos produz novos significados nos diferentes contextos onde ocorre, focando especialmente na construção de significados do ponto de vista da herança, da sacralidade do patrimônio e da dimensão de poder envolvida no processo. Considerando as ressignificações resultantes do reconhecimento patrimonial, analiso as diferentes categorias percebidas pelos habitantes citadinos que estão envolvidos com o patrimônio, não de forma passiva, mas detendo a capacidade de construir novos significados e dar sentido ao mundo ao seu redor. Procuro sublinhar a dimensão simbólica que está presente nesse processo em que a propriedade adquire sentido e passa a ser considera como patrimônio ou herança familiar.

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O patrimônio cultural visto como herança de um povo e conjunto de bens e valores representativos de uma nação não é um tema novo, mas vem ganhando espaço nas pesquisas produzidas por antropólogos, sociólogos, historiadores, arquitetos e profissionais de diversas áreas, estabelecendo-se como temática interdisciplinar.

As recentes políticas públicas de reconhecimento do patrimônio imaterial implementadas pelo governo brasileiro, na forma de reconhecimento de bens imóveis de caráter patrimonial bem como dos fazeres e processos culturais como passíveis de registro em livro de tombo, além das tradicionais ações de restauro e preservação dos bens imóveis, têm levado pesquisadores a reflexões sobre a implementação e a manutenção de tais políticas.

Gonçalves (2003, p. 22), tratando da antiguidade do tema do patrimônio enquanto categoria de pensamento, sustenta que

não é simplesmente uma invenção moderna. Está presente no mundo clássico e na Idade Média, sendo que a modernidade ocidental apenas impõe os contornos semânticos específicos que, assumidos por ela, podemos dizer que a categoria “patrimônio” também se faz presente nas sociedades tribais.

Dada a sua origem ,que remonta aos primórdios da disciplina, podemos partir para uma definição da noção de patrimônio que possa situar esse conceito no âmbito da antropologia. Assim, o conceito de patrimônio, partindo de uma definição simples, pode ser entendido como um conjunto de bens, materiais ou não, direitos, ações, posse e tudo o mais que pertença a uma pessoa e seja suscetível de apreciação econômica.

Colocado dessa forma, o patrimônio está relacionado diretamente à idéia de propriedade. Poderia se dizer que a propriedade é um dos universais da cultura humana, pois todos os povos de que se tem notícia conhecem alguma forma de propriedade, seja ela individual ou coletiva.

A terra onde vive um determinado grupo social, qualquer que seja seu meio de vida, é uma propriedade, incluindo ali as árvores, frutos, animais ou a colheita obtida no trabalho com o solo. Os animais criados e mantidos por um grupo ou indivíduo são considerados propriedade, bem como as casas que as pessoas constroem, as roupas com que se vestem, os objetos que utilizam no dia-a-dia para a realização de seus ofícios, as músicas que cantam e tocam, as danças que executam. Toda a série de objetos materiais que pode ser encontrada no cotidiano das sociedades é considerada como propriedade.

Assim, podemos dizer que a propriedade é um tipo de criação social, pois não é suficiente a existência de um objeto em si para que ele seja relevante para o grupo social, mas é relevante a atribuição de um valor, que é socialmente construído, e a existência de um conjunto de normas que regulam a sua circulação e permanência dentro do grupo, estabelecendo uma rede de relações entre pessoas.

O propósito deste artigo é analisar como a atribuição de valor a determinados bens, objetos e processos produz novos significados nos diferentes contextos onde ocorre, focando especialmente na construção de significados do ponto de vista da herança, da sacralidade do patrimônio e da dimensão de poder envolvida no processo. Considerando as ressignificações resultantes do reconhecimento patrimonial, analiso as diferentes categorias percebidas pelos habitantes citadinos que estão envolvidos com o patrimônio, não de forma passiva, mas detendo a capacidade de construir novos significados e dar sentido ao mundo ao seu redor. 


CANANI, Aline Sapiezinskas Krás Borges. Herança, sacralidade e poder: sobre as diferentes categorias do patrimônio histórico e cultural no Brasil. Horizontes Antropológicos, v. 11, p. 163-175, 2005.


https://www.scielo.br/j/ha/a/DdyW8tLQXzJb59CgD9V5y9M/abstract/?lang=pt

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