RESENHA: GÊNEROS NO CONTEXTO BRASILEIRO: QUESTÕES [META]TEÓRICAS E CONCEITUAIS (Benedito Gomes Bezerra)

Preatecianos, Tradicianos e interessados,

Divulgamos aqui a resenha de autoria do mestrando Francisco Jeimes de Oliveira Paiva (MIHL) e da Profa. Dra. Ana Maria Pereira Lima (MIHL/UECE) publicada na Revista Letra Capital (http://periodicos.unb.br/index.php/lcapital/article/view/25194/pdf).


GÊNEROS NO CONTEXTO BRASILEIRO: QUESTÕES [META]TEÓRICAS E CONCEITUAIS

de Benedito Gomes Bezerra
Resenhado por FRANCISCO JEIMES DE OLIVEIRA PAIVA
ANA MARIA PEREIRA LIMA

          No atual contexto editorial brasileiro, temos por certo muitas obras acadêmicas e científicas no campo dos estudos e análises de gêneros textuais/discursivos. Dentre essas produções, estreia com mestria e entusiasmo no cenário nacional Gêneros no contexto brasileiro: questões [meta]teóricas e conceituais, do renomado pesquisador e professor da Universidade de Pernambuco (UPE), Benedito Gomes Bezerra, linguista e analista de discursos que desde sua graduação até seu doutoramento tem dado ênfase aos estudos com gêneros textuais em algumas das perspectivas teóricas abordadas em seu novo livro, que a priori faz uma densa reflexão analítico-epistemológica, visando discutir e esclarecer muitos dos conceitos, concepções e, sobretudo, equívocos ainda existentes no que se refere à compreensão da inter-relação entre gênero, texto e discurso por estudantes da graduação e pós-graduação, e até mesmo por professores(as) da educação básica. 
     O autor do livro, Benedito Gomes Bezerra, é graduado em Letras Português/Inglês pela Universidade Estadual do Ceará (1996), especialista em Descrição da Língua Portuguesa pela Universidade Estadual do Ceará (1998), mestre em Linguística pela Universidade Federal do Ceará (2001) e doutor em Letras/Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco (2006). Atualmente, é professor da UPE, campus Mata Norte, e da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), atuando no Programa de Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS) da UPE e no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Linguagem da UNICAP. 
          A obra organiza-se em seis capítulos bem fundamentados, concatenados e explicados, sendo que no Capítulo I – Gêneros textuais ou discursivos? , o autor problematiza acerca das questões conceituais que ainda não foram suficientemente levadas à compreensão, tendo em vista a profundidade com que as tradições teóricas de gêneros no Brasil e em outros países, a exemplo de linha inglesa, dão margem também a essa dicotomia (gêneros textuais ou discursivos) de maneira espersa terminologicamente. 
         Ainda nessa linha reflexiva, o autor constrói um posicionamento crítico muito relevante ao dizer que “o gênero não é ou discursivo ou textual, mas é simultaneamente indissociável tanto do discurso quanto do texto e seria um equívoco reduzi-lo a qualquer um desses polos” (p. 13). Para tanto, o autor enfatiza a necessidade de se desconstruir essa visão dicotômica, colocando em tela uma discussão acerca do que seja discursivo ou textual para, então, atentarse para um entendimento mais preciso do que seja pesquisar ou ensinar [digo até analisar/descrever] o gênero somente por este viés dicotômico produzido e reproduzido de forma paradoxal em diversas compreensões terminológicas, sobretudo em materiais didáticos, livros, artigos etc., utilizados desde a educação básica até à educação superior. 
          Neste capítulo inicial, o pesquisador traz à luz profícuas reflexões sobre muitas das tradições de estudos de gêneros no Brasil, sobretudo com Rojo (2005), Marcuschi (2000, 2004, 2006), Meurer, Bonini e Mota-Roth (2005), para citar alguns; além disso, mencionam-se as tradições anglófonas (Martin, Miller, Bhatia, Devitt, Bazerman, entre outros), que não procuram “reduzir o gênero nem a texto e nem a discurso”, mas utilizam esse qualificativo dicotômico textual ou discursivo apenas “em contextos em que seja necessário fazer algum tipo de distinção ou esclarecimento conceitual” (p. 27). Ainda há as tradições francófonas (baseadas em Bakhtin, Bronckart, Adam), que dialogam com a perspectiva bakhtiniana e foram incutidas no Brasil pelas pesquisas de Rojo (2005)1 e Dias et al. (2011), as quais “se propõem a discutir se a distinção entre gêneros discursivos ou textuais é uma questão de nomenclatura” (BEZERRA, 2017, p. 24). 
       Mais adiante, o autor, no Capítulo II – Equívocos sobre a relação gênero, texto e discurso, enfatiza, alinhado a um arcabouço de pesquisas acadêmicas e com variados exemplos, uma identificação dos diversos equívocos conceituais relacionados ao texto, ao gênero e ao discurso encontrados na literatura científica e acometidos por muitos acadêmicos e, sobretudo, por professores da educação básica devido à presença do conceito de gêneros nos documentos oficiais brasileiros. Isso talvez seja uma das razões com que essa confusão terminológica ocorra de maneira generalizada, sem que haja adequadamente uma discussão conceitual. Por essa razão, surgiram ao longo dos anos os equívocos destacados pelo linguista: “a confusão entre gênero e texto, gênero e suporte, gênero e domínio discursivo, gênero e forma/estrutura egênero e tipo textual” (p. 35). Nessa empreitada, o autor procura, com exemplos claros e escritos diversos levantados na internet, demonstrar quais são esses equívocos e ilustrá-los sob as luzes das teorias de gêneros, objetivando traçar um breve percurso desses discursos sobre gêneros no Brasil, fazendo contrapontos com base na literatura acadêmica e visando alargar o entendimento de outros pesquisadores, professores e estudantes. 
          No Capítulo III – Gêneros no mundo real: inter-relações, percebe-se a preocupação do autor em discutir os diversos conceitos teóricos de gêneros com o fim de compreender os diferentes aspectos relacionados com o fenômeno das inter-relações produzidas pelas nocões de agrupamentos de gêneros em determinados contextos de interação humana. Nesse sentido, os desafios de se selecionar e investigar os gêneros, sejam eles acadêmicos, profissional ou de outros domínios discursivos, aparecem de acordo com os “interesses pedagógicos no ensino ou de decisões metodológicas em pesquisa” (p. 47). É, por isso, que neste momento, o autor reforça 

[...] em vez de lidarmos com os gêneros como entidades isoladas, nos confrontamos com gêneros que ‘frequentemente são vistos na relação com outros gêneros, com certo grau de sobreposição ou até, por vezes, de conflito’ (Bhatia, 2004: 29), em agrupamentos ou ‘constelações’ alternativamente designados como ‘conjuntos de gêneros’ (Devitt, 1991), ‘sistemas de gêneros’ (Bazerman, 1994), ‘cadeias de gêneros’, ‘ redes de gêneros’ (Swales, 2004), ‘gêneros disciplinares’ ou ‘colônias de gêneros’ (Bhatia, 2004), entre outros rótulos”. (BEZERRA, 2017, p. 48). 

        A partir dessa explanação, fica evidente, segundo o autor, que “nos diferentes conceitos, a relação entre gêneros pode ser vista como sequencial, sucessiva, ou como objeto de sobreposição e simultaneidade” (p. 50), até porque cada modelo tende a guardar um lugar diferente para os gêneros oficiais e não oficiais, dando, portanto, visualidade a uns ou a outros. Na verdade, a acepção teórica do autor ao citar Spinuzzi (2004) é reforçada: “[...] o conceito de conjunto de gêneros apresenta um foco no indivíduo e, assim, é capaz de oferecer um quadro apenas parcial do funcionamento dos gêneros em contextos do mundo real” (BEZERRA, 2017, p. 52, grifos nossos), contribuindo para visualizarmos “semelhanças e diferenças, expressas por diferentes focos analíticos e interesses de pesquisa” (p. 58).
          No capítulo IV da obra, Colônia de gêneros em livros acadêmicos, o autor faz uma análise do conceito de colônia de gêneros, modelo posto por Bhatia (1997a, 1997b, 2004), “em cerca de dois terços dos livros acadêmicos que serviram de fonte para a formação do corpus na pesquisa” (BEZERRA, 2017, p. 67). Dessa forma, após um extensa análise de gênero feita pelo autor em 235 textos de diversos exemplares de livros acadêmicos da área de Teologia e Biologia, temos uma compreensão mais aguçada do conceito de colônia de gêneros, assinalando para uma produtividade que não se restringe a gêneros tomados solitariamente, posto que “esses normalmente circulam na sociedade em contato com outros gêneros e em conexão com um sistema de atividades humanas” (BAZERMAN, 2004, apud BEZERRA, 2017, p. 83). O autor enfatiza que com “esse tipo de abordagem, a análise de gêneros possibilita um olhar mais realista para as práticas sociais que simultaneamente determinam e são determinados pela produção e circulação de textos nas variadas comunidades discursivas” (p. 84). 
          Finalmente, nos últimos capítulos V e VI (A “síntese brasileira” na pesquisa sobre gêneros e A análise crítica de gêneros: uma escola brasileira?), o autor primeiramente nos oferece algumas reflexões, visando embasar respostas concretas quanto a uma síntese brasileira na pesquisa sobre gêneros numa perspectiva das tradições anglófonas (linguística aplicada) e na linha dos estudos retóricos de gêneros (Nova Retórica); além do mais no Brasil, tem-se uma adesão à tradição franco-suíça (Escola de Genebra). O autor afirma que muitas das pesquisas atuais na pós-graduação fundamentam-se nessas abordagens de forma isolada ou relacionada, dependendo dos estudos a serem desenvovolvidos. Além do mais, no capítulo V é feito uma correlação macroteórica entre as contribuições bakhtinianas, os PCNs e as pesquisas com gêneros no Brasil. O autor deixa claro que o modelo de ensino brasileiro quanto aos gêneros pode ser entendido como 

[...] uma abordagem pedagógica fundamentada na teoria do interacionismo sociodiscursivo e na tradição suíça de gêneros”, embora não se restrinja a elas, pois também “combina o foco na consciência de gênero, a analise de convenções linquisticas e a atenção ao contexto social” (Barwarshi; Reif, 2013: 256). Noutros termos, a abordagem brasileira combina pressupostos que abrange desde as tradições linguísticas até as tradições sociológicas e retoricas de estudos de gêneros” (BEZERRA, 2017, p. 87-88).

          Por outro lado, ainda nessa linha de análise de gêneros à luz de uma construção macroteórica, é dada ênfase pelo autor a extensa pesquisa de Biasi-Rodrigues (UFC) quanto a “uma sistematização dos principais temas atinentes aos estudos de gêneros, a fim de ‘disseminar sob a forma de capítulos os conhecimentos que abrangem diferentes abordagens sobre fenômenos relacionados aos gêneros” (p. 95). 
          Por fim, no último capítulo, o autor faz uma apresentação da natureza da abordagem da Análise Crítica de Gêneros (ACG), resultante de “apropriações, adaptações e diálogos das teorias de gênero entre si e com outras perspectivas teóricas” (p. 111), o que Swales (2012) denominou de uma “abordagem brasileira” ou “síntese brasileira”, elucidada no capítulo anterior. Assim, o autor diz que: “Não é possível visualizar ou descrever uma abordagem específica capaz de fazer justiça à complexidade e diversidade do trabalho que se faz com os gêneros no Brasil” (p. 107). O autor conclui seu racicíonio após extensa discussão advinda das contribuições de Meurer2 para a construção de um modelo capaz de “incorporar um componente crítico na pesquisa e ensino de gêneros” (p. 116), que na leitura motta-rothiana assimilou um amplo conjunto de relações interdisciplinares. 
       É fucral a indicação deste livro tanto para alunos(as), educadores(as) e pesquisadores(as) interessados, principalmente, em estudos e análises de gênero, tendo em vista o conceito de gênero e as macroteorias que norteiam ou mesclam cada abordagem de estudos de gêneros no Brasil. O autor entende gênero “como uma categoria mediadora entre o texto e o discurso” (p. 11). Todavia, não poderia deixar de mencionar nesta minha ação retórica de resenhar3 muitos dos aspectos instropectivos e cativantes, desde a Introdução da obra, rememorados pelo autor, trazendo a nós sensíveis memórias de sua trajetória quanto à sua iniciação aos estudos de gêneros, sendo que apenas na pós-graduação ele pode refletir mais profundamente às questões conceituais e práticas dos gêneros numa ótica da linguística e da análise de gêneros e não mais sob a égide das teorias da literatura como era comum antes.
          Por esta razão, o sentimento que nos é despertado com esta obra, Gêneros no contexto brasileiro: questões [meta]teóricas e conceituais em nossas mãos é que: de repente, tudo se iluminou4 , evidenciando o que o linguista coloca em centralidade na contemporaneidade, é: a noção de gênero no processo de “compreensão dos usos da língua/linguagem numa perspectiva social, cognitiva e retórica” (p. 10) e sob a luz das diversas tradições e estudos de gêneros que perfazem a comunidade discursiva acadêmica e que cada vez mais estão acessíveis aos estudantes e professores(as) da educação básica brasileira. 

Referências 
BEZERRA, B. G. A distribuição das informações em resenhas acadêmicas. 2001. 141f. Dissertação (Mestrado em Linguística), Programa de Pós-graduação em Linguística, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2001. 
SOUSA, S. C. T. de. A ação retórica de resenhar na comunidade jornalística: um estudo dos propósitos comunicativos e da avaliação. 2009. 344f. Tese (Doutorado em Linguística). Fortaleza: Universidade Federal do Ceará – UFC, 2009. p. 39.

Comentários

Postar um comentário